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Foto do escritorMarcello Antunes

Pactos Sucessórios na União Estável – Pacta Corvina ou Liberdade do Casal?

Tema super polêmico e de alta relevância nos dias de hoje é se um pacto sucessório é um pacta corvina e não deixaremos de abordá-lo, mesmo que brevemente.


O QUE SÃO PACTOS SUCESSÓRIOS?


Os pactos sucessórios são aqueles acordos sobre a sucessão legítima que as partes se propõem a realizar durante a formulação e assinatura de um pacto antenupcial ou de convivência.


Com ele, o casal busca alterar as disposições do Código Civil sobre o tema. O problema é que se entende majoritariamente nos tribunais (inclusive STJ) que a vocação hereditária seria norma cogente e haveria disposição expressa do artigo 426 do CCB que proíbe o pacta corvina.



O QUE É O PACTA CORVINA?


O pacta corvina está disposto no artigo 426 do CCB:


Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.


Existe todo um motivo pelo qual se rejeita o pacta corvina no nosso direito. O ponto principal é que se passaria a “desejar a morte daquela pessoa em que se está negociando a herança”, o que faz sentido para muitos casos.


Na atividade como notário, não é incomum vermos os herdeiros negociando a herança que receberão dos pais que ainda estão vivos, como se deles fosse. E explicamos tal impossibilidade sempre que ocorre.


Contudo, numa análise bastante rápida, me parece distinta a pactuação sucessória do pacta corvina, especialmente por:


Legitimidade de negociar sobre o pacta corvina:


- No PACTO SUCESSÓRIO as partes deliberam sobre suas próprias posições na vocação hereditária, enquanto no PACTA CORVINA as partes deliberam sobre heranças de terceiros;



Prejuízo concreto e “desejo de morte”:


No PACTO SUCESSÓRIO não há um prejuízo concreto e evidente na contratação, já que muitas vezes, o casal já possui sua economia consolidada e querem apenas eliminar a concorrência caso haja outros herdeiros necessários, já no PACTA CORVINA há um prejuízo direto de alguém que é o autor da herança e geralmente é um terceiro.


Pelo menos, inicialmente, são essas diferenças evidentes para mim. Mas admito que preciso refletir um pouco mais sobre o tema. Inclusive, esse é um ótimo ponto para abordar numa tese de doutorado.



A POLÊMICA:


A decisão do TJSP (colacionada integralmente ao final) tratou de forma a proibir tal questão, como se vê na ementa:


REGISTRO DE IMÓVEIS - DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE - ESCRITURA PÚBLICA DE PACTO DE CONVIVÊNCIA EM UNIÃO ESTÁVEL - REGIME CONVENCIONAL DA SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS - EXISTÊNCIA DE DISPOSIÇÕES NO PACTO ESTABELECIDO QUE, SEGUNDO O OFICIAL, NÃO COMPORTAM INGRESSO NO REGISTRO DE IMÓVEIS PORQUE ILEGAIS - RENÚNCIA À POSTULAÇÃO DE COMUNICAÇÃO PATRIMONIAL, EMBASADA NA SÚMULA 377 DO STF, QUE APENAS REFORÇA A INCOMUNICABILIDADE DE BENS NA VIGÊNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL - NULIDADE NÃO CONFIGURADA - RENÚNCIA AO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO - RENÚNCIA TAMBÉM AO DIREITO CONCORRENCIAL PELOS CONVIVENTES - ARTIGO 426 DO CÓDIGO CIVILQUE VEDA O PACTO SUCESSÓRIO - SISTEMA DOS REGISTROS PÚBLICOS EM QUE IMPERA O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA - TÍTULO QUE, TAL COMO SE APRESENTA, NÃO COMPORTA REGISTRO - APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (APELAÇÃO CÍVEL nº 1007525-42.2022.8.26.0132, 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Catanduva)


A controvérsia intelectual se dá porque (como em quase tudo) há tribunais e juristas que divergem de tal ponto de vista exarado pelo TJSP, como ocorre expressamente nas normas extrajudiciais do TJRJ que limita a eficácia da norma à decisão judicial futura, logo, não impedindo às partes optarem por assumir o risco das suas escolhas.


Inclusive, a normativa do tribunal fluminense permite aos conviventes assumir o risco sobre:


· Retroatividade do regime de bens;

· Renúncia ao direito concorrencial (polêmica do nosso texto);

· Outras cláusulas não vedadas expressamente por lei.


E pode ser lido:


Art. 390. Da escritura de reconhecimento de união estável, dentre outras, poderão constar cláusulas patrimoniais dispondo sobre o regime de bens, incluindo a existência de bens comuns e de bens particulares de cada um dos conviventes, assim como cláusulas existenciais, desde que não vedadas por lei.


§ 1o. Caso as partes optem pelo regime da separação absoluta de bens e estabeleçam retroagir os seus efeitos à data de início da relação, o tabelião deve adverti-las quanto à possível anulabilidade da cláusula, o que deverá constar expressamente do ato.


§ 2o. Caso as partes não optem expressamente por regime de bens específico, deverá o tabelião adverti-las que prevalecerá o regime da comunhão parcial de bens, orientando-as quanto a seus efeitos jurídicos.


§ 3o. A cláusula de renúncia ao direito concorrencial (art. 1.829, I, do CC) poderá́ constar do ato a pedido das partes, desde que advertidas quanto à sua controvertida eficácia.

(CNCGJ/TJRJ)


Na minha humilde opinião, esse tipo de discussão não difere de outras em que se opõem as correntes filosóficas que se orientam pelas doutrinas da liberdade ou da opressão, sendo que uns preferem impor seus pontos de vista em nome, nesse caso, da segurança jurídica e da legalidade estrita, enquanto outros são mais alinhados com a liberdade e o livre arbítrio, sendo que os excessos e abusos poderão ser coibidos nas instâncias adequadas em momento oportuno.


A respeito dessa decisão há o artigo de Flávio Tartuce que critica a posição do TJRJ e corrobora o entendimento do tribunal paulista. Mas a verdade seja dita: o positivismo estrito (quase exegético) é uma característica ainda presente e evidente na doutrina e jurisprudência paulistas, enquanto algumas outras unidades da federação são mais abertas e permissivas. Não iremos discorrer mais sobre isso aqui hoje. O link do artigo do Tartuce se encontra ao final do texto para não desvirtuarmos a publicação.



MINHA POSIÇÃO PROFISSIONAL:


· Possível pactos sucessórios na escritura pública;

· Alerta de eficácia / anulabilidade do tabelião de notas;

· O pacta corvina só deveria ser configurado com evidente prejuízo às partes;

· O prejuízo do pacta corvina só pode ser verificado, em regra, no momento da abertura da sucessão;

· As pessoas são livres para decidir e assumir os riscos.


Sendo assim, colacionaremos a decisão do TJSP sobre os pactos sucessórios na união estável. Segue a decisão:


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1007525-42.2022.8.26.0132, da Comarca de Catanduva, em que são apelantes GUILHERME ROJAS FERNANDES e RAFAELLA GHANNAGE PEREIRA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE CATANDUVA.


ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento, v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.


O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 22 de setembro de 2023.


FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

Assinatura Eletrônica

APELAÇÃO CÍVEL nº 1007525-42.2022.8.26.0132

APELANTES: Guilherme Rojas Fernandes e Rafaella Ghannage Pereira

APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Catanduva

VOTO Nº 39.122


REGISTRO DE IMÓVEIS - DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE - ESCRITURA PÚBLICA DE PACTO DE CONVIVÊNCIA EM UNIÃO ESTÁVEL - REGIME CONVENCIONAL DA SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS - EXISTÊNCIA DE DISPOSIÇÕES NO PACTO ESTABELECIDO QUE, SEGUNDO O OFICIAL, NÃO COMPORTAM INGRESSO NO REGISTRO DE IMÓVEIS PORQUE ILEGAIS - RENÚNCIA À POSTULAÇÃO DE COMUNICAÇÃO PATRIMONIAL, EMBASADA NA SÚMULA 377 DO STF, QUE APENAS REFORÇA A INCOMUNICABILIDADE DE BENS NA VIGÊNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL - NULIDADE NÃO CONFIGURADA - RENÚNCIA AO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO - RENÚNCIA TAMBÉM AO DIREITO CONCORRENCIAL PELOS CONVIVENTES - ARTIGO 426 DO CÓDIGO CIVILQUE VEDA O PACTO SUCESSÓRIO - SISTEMA DOS REGISTROS PÚBLICOS EM QUE IMPERA O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA - TÍTULO QUE, TAL COMO SE APRESENTA, NÃO COMPORTA REGISTRO - APELAÇÃO NÃO PROVIDA.


Trata-se de apelação interposta por Guilherme Rojas Fernandes e Rafaella Ghannage Pereira contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Catanduva/SP, que manteve a negativa de registro de escritura pública de pacto de convivência em união estável (fls. 130/138).


Alegam os apelantes, em síntese, que a referência, no pacto, à não aplicação da Súmula nº 377 do STF se justifica ante a tendência atual de mudança de entendimento por parte dos Tribunais, no sentido de forçar a comunicação patrimonial mesmo em caso de separação convencional de bens. Aduzem que, por não desejarem tal comunicação, manifestaram expressa renúncia no pacto celebrado, que tem por objetivo não apenas eleger o regime patrimonial de bens dos conviventes, mas também fixar sua livre vontade a respeito.


Negam que a renúncia ao direito concorrencial possa ser equiparada a um pacto sucessório, à deliberação de herança de pessoa viva ou à renúncia de herança a termo, pois apenas externaram sua vontade de que, no caso de existência de descendentes ou ascendentes, estes herdem a totalidade da herança deixada pelo falecido, honrando o desejo dos conviventes de que o sobrevivente não venha a concorrer com eventuais ascendentes ou descendentes existentes no momento da abertura da sucessão do outro. Acrescentam ser possível a renúncia ao direito de habitação por instrumento público e desde que o convivente confirme seu consentimento depois do óbito do companheiro (fls. 143/151).


A Douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 178/180).


É o relatório.

Os apelantes pretendem fazer registrar, no Livro 3 do Registro de Imóveis, a escritura pública de pacto de convivência em união estável em que convencionado o regime da separação total de bens. O título foi negativamente qualificado pelo registrador, que expediu nota devolutiva (fls. 12/14) nos seguintes termos:


"(...) a conclusão de nossa análise é a de que é possível o registro do pacto antenupcial no Livro 3 deste Registro de Imóveis, sem se fazer nenhuma referência, entretanto, às renúncias relacionadas a Sumula 377, direito sucessório/concorrencial e de habitação.

Para tanto, todavia, é necessária a concordância expressa do (s) requerente (s).

Assim, apresentar declaração firmada pelo (s) requerente (s), com firma reconhecida, manifestando concordância expressa com o registro do pacto e ainda com o fato de que desse mesmo registro não constará nada relacionado às citadas renúncias".


Ao requerer a suscitação de dúvida, os ora apelantes manifestaram expressa concordância em relação ao registro da escritura pública com a exclusão da expressão genérica "renúncia à pretensão sucessória", aduzindo que o objeto de ambos os conviventes é a "renúncia à concorrência sucessória" com ascendentes ou descendentes do falecido. Insistiram, porém, nas demais cláusulas pactuadas.


Ora, é sabido que a retificação de uma escritura pública somente é possível por meio da lavratura de outra escritura pública. Portanto, não basta que, por ocasião da suscitação da dúvida, haja mera anuência ou mesmo requerimento de exclusão de determinada cláusula pactuada para que, então, o conteúdo do título seja alterado e, por conseguinte, registrado.

Ademais, não é cabível a cindibilidade do título, como sugerido pelo registrador, pois não houve requerimento do apresentante neste sentido (princípio da rogação).


Aliás, o óbice ao registro não está propriamente na impossibilidade de cindir o título e sim, no fato de que os conviventes pactuaram disposições que, segundo o registrador, não podem ser inscritas porque ilegais.


Quanto à cláusula referente à não aplicação da Súmula nº 377 do STF, não assiste razão ao registrador. Com efeito, ao estipularem tal cláusula no pacto em análise, os conviventes sinalizaram que obedecerão à regra da separação de bens e que, no curso da união estável, não haverá incidência dos seus efeitos. Logo, ainda que referida Súmula diga respeito ao regime da separação obrigatória de bens, inexiste nulidade na cláusula que a ela faz referência no intuito de deixar claro que na união estável estabelecida prevalecerá o pacto celebrado, segundo o qual haverá incomunicabilidade absoluta de bens, protegendo o interesse lícito dos conviventes na destinação de seu patrimônio.


É preciso dizer que, em verdade, o ideal seria que o pacto houvesse se limitado a prever o regime de bens estipulado para a união estável estabelecida entre os conviventes, deixando as demais disposições para instrumento diverso que, sem necessidade de ingresso no registro imobiliário, viesse a ser oportunamente analisado por exemplo, quando da abertura do inventário daquele que primeiro vier a falecer, caso ainda esteja, à época, vivendo com o companheiro.


Não sendo assim, bem como porque a inscrição não poderia ser feita como que por resumo, alternativa não há senão confirmar a qualificação negativa do título. É que a despeito de concordarem com a exclusão da expressão genérica "renúncia à pretensão sucessória", insistem os apelantes na cláusula por meio da qual abdicam ao direito à herança, um do outro, quando em concorrência com descendentes ou ascendentes.


Ora, ainda que permaneçam os apelantes com o direito à herança quando o convivente herdar com exclusividade, ou seja, se não houver descendentes ou ascendentes do falecido, a renúncia à concorrência sucessória esbarra na vedação legal trazida pelo artigo 426 do Código Civil, que impede o pacto sucessório.


Pela mesma razão de direito, é também nula a renúncia ao direito de habitação, uma vez que, em contravenção ao mencionado artigo 426 do Código Civil, se dispôs sobre herança de pessoa viva. Como ensina Pontes de Miranda:


"No direito brasileiro, não se admite qualquer contrato sucessório, nem a renúncia a herança. Estatui o Código Civil, art. 1.089: 'Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva'. A regra jurídica, a despeito dos dois termos empregados" contrato "e" herança ", tem de ser entendida como se estivesse escrito: 'Não pode ser objeto de negócio jurídico unilateral, bilateral ou plurilateral a herança ou qualquer elemento da herança de pessoa viva'. Não importa quem seja o outorgante (o de cujo ou o provável herdeiro ou legatário), nem quem seja o outorgado (cônjuge, provável herdeiro ou legatário, ou terceiro). Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 70, § 3, permitiam-se, ex argumento, os pactos chamados renunciativos ou abdicativos (pacta de non succedendo), se sob juramento perante o Tribunal do Desembargo do Paço, mas isso foi revogado pelo costume, confirmado pela não-atribuição de tomada de tal juramento a qualquer-outro órgão estatal." (Tratado de Direito Privado XXXVIII, § 4.208, 2).


"Pactos sucessórios, sucessões pactícias, contratos de herança, sempre se chamaram, no direito brasileiro, como também no próprio direito romano, os pactos aquisitivos, em que algum dos contraentes promete instituir ou se obriga a aceitar sucessão (de sucedendo), e os renunciativos, em que se promete não instituir ou não aceitar (de non succedendo). Esses pactos sempre foram (com ligeiras exceções) considerados nulos. Procurava-se, assim, evitar que os contratos derrogassem regras legais de interesse público, iuris publici, como o é a matéria das sucessões, quod pactis privatorum mutari non potest (L. 38, D., de pactis, 2, 14)." (Tratado de Direito Privado VIII, § 917, 3).


Não se desconhece a controvérsia doutrinária sobre o tema, bem como a existência de alguns julgados em sentido contrário, mas o fato é que, no sistema dos registros públicos, impera o princípio da legalidade estrita, de sorte que, tal como se apresenta, o título não comporta registro.


Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

Assinatura Eletrônica



O texto de Tartuce pode ser lido:




REFERÊNCIAS:







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