A Terceira Turma do STJ proferiu uma decisão que distinguiu o reconhecimento jurídico da socioafetividade dos casos de adoção: a possibilidade de filiação entre avós e netos maiores de idade – situação expressamente proibida no art. 42, §1º do ECA.
Esse entendimento traz novos horizontes para o Direito de Família, respeitando as complexidades das relações humanas e reconhecendo que, em muitos casos, o vínculo de afeto vai além da consanguinidade.
No caso analisado, um neto buscava o reconhecimento de seus avós maternos como pais socioafetivos, sem prejuízo do vínculo biológico com sua mãe, já registrado.
A decisão, relatada pela ministra Nancy Andrighi, afastou a aplicação do artigo 42, §1º, do ECA – que proíbe a adoção de netos pelos avós – por entender que se trata de institutos distintos. A filiação socioafetiva não rompe laços de parentesco anteriores, como ocorre na adoção, mas sim reconhece relações de cuidado, afeto e convivência consolidadas ao longo da vida.
A Diferença Entre Filiação Socioafetiva e Adoção
A distinção feita pelo STJ é paradigmática. A adoção é um processo que substitui o vínculo biológico pelo vínculo jurídico, enquanto a filiação socioafetiva reconhece uma realidade já vivida pelas partes, sem alterar a relação pré-existente com os pais biológicos.
Com isso, a referida decisão alinha a noção que o Direito de Família deve acompanhar e responder adequadamente às dinâmicas familiares contemporâneas.
Multiparentalidade e a Modernização do Registro Civil
O princípio da multiparentalidade, consolidado pelo STF no Tema 622 da repercussão geral, foi aventado na decisão. Ele informa que:
“A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.
Também foi mencionada a possibilidade de reconhecimento voluntário da filiação socioafetiva diretamente em cartório, prevista no artigo 505, §3º, do Provimento 149/2023 do CNJ.
Teoria da Asserção e Interesse Processual
Um aspecto técnico importante foi a aplicação da teoria da asserção para avaliar o interesse processual do autor. Segundo essa teoria, basta que a petição inicial apresente elementos suficientes para indicar a existência de um vínculo socioafetivo consolidado. Isso garante que o processo seja devidamente instruído, com a produção de provas necessárias para verificar os fatos alegados.
No caso concreto, o STJ determinou o retorno dos autos ao tribunal de origem para que sejam realizadas todas as etapas probatórias, incluindo a citação da mãe biológica e a análise detalhada da relação socioafetiva entre o neto e seus avós.
O Impacto Prático da Decisão
Esse julgamento não apenas traz maior amplitude e interpretação de direitos para as partes, mas também valoriza a complexidade das relações familiares.
O reconhecimento de filiação socioafetiva avoenga pode ter implicações práticas relevantes, como a inclusão de sobrenomes no registro civil, a ampliação de direitos patrimoniais e a consolidação de vínculos afetivos que, muitas vezes, são tão ou mais profundos que os de origem biológica.
Com isso, o STJ, ao diferenciar a filiação socioafetiva da adoção, reafirma a autonomia desse instituto como parte autônoma do Direito de Família. Esse precedente reforça a relevância de estudar e aplicar o conceito de multiparentalidade de forma estratégica, protegendo direitos e garantindo segurança jurídica em situações cada vez mais frequentes.
Confira a matéria do STJ abaixo. Bons estudos!
Matéria do STJ:
É possível reconhecer filiação socioafetiva entre avós e netos maiores de idade, decide Terceira Turma
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou juridicamente possível o pedido de reconhecimento de filiação socioafetiva entre avós e netos maiores de idade, nos casos em que A RELAÇÃO ENTRE ELES SUPERA A MERA AFETIVIDADE AVOENGA. Para o colegiado, a declaração de filiação nessas hipóteses – com efeitos diretos no registro civil do filho socioafetivo – não encontra qualquer impedimento legal.
O entendimento foi estabelecido no âmbito de ação ajuizada por neto para ser reconhecido como filho socioafetivo de seus avós maternos, mantendo-se em seu registro civil, contudo, o nome da mãe biológica, com quem ele também convivia.
Em primeiro grau, o processo foi extinto sem resolução do mérito – sentença mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Para o tribunal, seria aplicável ao caso a previsão do artigo 42, parágrafo 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que proíbe a adoção de netos pelos avós.
Institutos da adoção e da filiação socioafetiva são diferentes
A ministra Nancy Andrighi, relatora no STJ, apontou QUE O ARTIGO 42, INCISO 1º, DO ECA SE APLICA AO INSTITUTO DA ADOÇÃO, NÃO AO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA, ESPECIALMENTE NO CASO DE RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO DE MAIOR DE 18 ANOS.
Segundo a ministra, a socioafetividade não pode ser confundida com a adoção, tendo em vista que, na relação socioafetiva, não há destituição do poder familiar de vínculo biológico anterior, como ocorre na adoção de menor de idade.
"Trata-se, em verdade, do reconhecimento de uma situação fática já vivenciada, que demanda o pronunciamento do Poder Judiciário acerca da existência de um vínculo já consolidado", completou.
Filiação socioafetiva pode ser reconhecida mesmo com pais biológicos no registro
Nancy Andrighi enfatizou que o reconhecimento da filiação socioafetiva é admitido mesmo que o filho tenha a paternidade ou a maternidade regularmente registrada no assento de nascimento, tendo em vista a possibilidade da multiparentalidade, conforme estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 622 da repercussão geral.
A relatora também apontou que o artigo 505, parágrafo 3º, do Provimento 149/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem aplicação nas hipóteses de reconhecimento voluntário de filiação socioafetiva perante os oficiais de registro civil de pessoas naturais.
Sobre o interesse processual do pedido de reconhecimento de filiação socioafetiva avoenga, a ministra apontou que deve ser verificado segundo a TEORIA DA ASSERÇÃO, ou seja, a partir das afirmações do autor na petição inicial. Assim, basta que o pedido inicial apresente informações suficientes sobre a possível existência de laços de socioafetividade entre as pessoas cujo vínculo parental se busca reconhecer para autorizar o regular processamento da ação.
"A filiação socioafetiva, que encontra alicerce no artigo 227, parágrafo 6º, da Constituição Federal, envolve não apenas a adoção, mas também parentescos de outra origem, conforme introduzido pelo artigo 1.593 do Código Civil de 2002, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural", enfatizou.
Com o provimento do recurso especial, a ministra determinou o retorno do processo à origem para que ele tramite regularmente, a fim de que seja retomada a necessária instrução probatória, com a citação da mãe biológica e a produção de provas sobre a relação de socioafetividade por todos os litigantes.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Comentarios