A decisão exarada pelo STJ deixa mais claro o conceito de abandono do lar e a possibilidade de usucapir um bem que derivou de um relacionamento conjugal. Logo após colacionaremos a decisão em inteiro teor da Corte Especial.
Por isso, a Usucapião entre ex-cônjuges (pós divórcio) é tema de relevância, especialmente, nos riscos de se permitir que os divorciados permanecam em mancomunhão pós divórcio. E no que tange à cobrança dos frutos dos aluguéis entre as partes, a tolerância ou não cobrança, processualmente pode vir a configurar um comodato, sofrer prescrição ou até mesmo ser roforço probatório para um abandono do lar.
É por isso que nossa posição doutrinária é que o risco de se manter a mancomunhão após o divórcio é altíssimo.
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ALGUNS TRECHOS QUE ACHEI BASTANTE CONTUNDENTES SOBRE Usucapião entre ex-cônjuges
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STJ - Usucapião entre ex-cônjuges
Não é demasiado lembrar que a dissolução da sociedade conjugal (através da separação ou do divórcio) cessa o estado de mancomunhão dos bens comuns e, enquanto não partilhado o imóvel, "a propriedade do casal sobre o bem rege-se pelo instituto do condomínio, aplicando-se a regra contida no art. 1319 do CC, segundo a qual cada condômino responde ao outro pelos frutos que percebeu da coisa" (REsp 1.375.271/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/9/2017, DJe 2/10/2017).
Outrossim, prevalece nesta Corte Superior que "o condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários" (REsp 668.131/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 19/8/2010, DJe 14/9/2010).
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PONTES DE MIRANDA - Usucapião entre ex-cônjuges
Analisando a doutrina do saudoso e ilustre Pontes de Miranda, trago os seguintes apontamentos (sem grifo no original):
2. Administração sem explícita deliberação. – Primeiro se há de resolver se a coisa deve ser administrada. Depois, sobre quem a deve administrar. Existe situação especialíssima, que se esboça quando nem todos os condôminos querem tomar parte na administração e um ou alguns efetivamente administram a coisa. Então, a resolução sobre a administração e a escolha dos administradores são um só ato. Porém seria erro atribuir-se a essa tacitude, a esse administrar pela não-oposição, todos os efeitos que teria a resolução explícita, formal, de que seja administrada a coisa, e sobre quem a administre. Por isso mesmo, o Código Civil (art. 640) se satisfez com a presunção iuris tantum: "O condômino, que administrar sem oposição dos outros, presume-se mandatário comum". [...] O condômino que administra presume-se com o mandato dos outros. Despesa, ou dívida, que, feita por ele, somente a ele obrigaria, conforme o art. 625, obriga a todos se é ele quem administra e se trata de ato de administração.
Consequência: o ônus de afirmar que não houve mandato cabe aos outros condôminos, na ação que alguém propuser contra eles, pelo ato do condômino presumidamente mandatário; e, sobre esse ônus, o de prová-lo.
[...]
4. Deveres e obrigações do administrador. – Os deveres e obrigações do administrador do condomínio, seja condômino ou terceiro, são os deveres do mandatário. Cabe-lhe, a mais, repartir os frutos e rendimentos, fazer as despesas necessárias e úteis, dar informes que os condôminos desejem, representar os condôminos em juízo e fora dele em tudo que concerne à administração. Fora dos atos de administração, precisa de mandato com poderes especiais e expressos – unânime – dos condôminos.
[Tratado de direito privado - parte especial - Tomo XII. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, pp. 89-90]
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SITUAÇÃO CONCRETA - Usucapião entre ex-cônjuges
Na verdade, percebe-se que, findo o matrimônio entre a autora e o contestante, ainda no longíquo ano de 1983, o contestante deixou os imóveis nas mãos da ex-esposa, nunca tendo se preocupado com a regularização da situação, com partilha do bem.
É perfeitamente possível a usucapião de condômino contra o outro coproprietário, sem dúvida, desde que haja a transmudação da posse, com quebra de todo o vínculo obrigacional anterior com o outro titular de fração ideal, por prazo duradouro e com ciência inequívoca de terceiros, o que, definitivamente, foi o caso.
A preocupação do contestante somente veio à tona após a propositura da ação de usucapião, com a apresentação de contestação, mais de 20 anos após o fim do matrimônio. Ademais, a "mera liberalidade" (fl. 1408/1409) do co-titular do domínio deveria ser pautada pela presença constante (ainda que não permanente) do contestante e pela periódica comunicação entre eles. Ora, o contestante qualifica a autora como se fosse litigante de má-fé, mas, ao mesmo tempo, percebe-se a ocupação duradoura, sem que, em todo esse período, fosse tomada qualquer atitude de formalização dessa ocupação, ou ação de partilha de bens.
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Segue a decisão do STJ:
STJ - RECURSO ESPECIAL: 1.840.561
LOCALIDADE: São Paulo DATA DE JULGAMENTO: 03/05/2022 DATA DJ: 17/05/2022
RELATOR: MARCO AURÉLIO BELLIZZE
JURISPRUDÊNCIA: Indefinido
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. FRAÇÃO IDEAL DE IMÓVEIS DE COPROPRIEDADE DOS CÔNJUGES. DISSOLUÇÃO DO MATRIMÔNIO, SEM A REALIZAÇÃO DE PARTILHA. BENS QUE SE REGEM PELO INSTITUTO DO CONDOMÍNIO. POSSE INDIRETA E EXCLUSIVA DA EX-ESPOSA SOBRE A FRAÇÃO IDEAL PERTENCENTE AO CASAL DOS IMÓVEIS DESCRITOS NA EXORDIAL. PERCEBIMENTO DE ALUGUÉIS COM EXCLUSIVIDADE PELA EX-ESPOSA. AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO DO SEU EX-CÔNJUGE E DE REIVINDICAÇÃO DE QUALQUER DOS FRUTOS QUE LHE ERAM DEVIDOS. LAPSO TEMPORAL TRANSCORRIDO SUFICIENTE À AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE. PROCEDÊNCIA DA USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. O propósito recursal consiste em definir, além da negativa de prestação jurisdicional, a natureza da posse exercida por um dos ex-cônjuges sobre fração ideal pertencente ao casal dos imóveis descritos na petição inicial, após a dissolução da sociedade conjugal, mas sem que tenha havido a partilha dos bens, a ensejar a aquisição da propriedade, pelo cônjuge possuidor, da totalidade da fração ideal por usucapião.
2. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.
3. A jurisprudência deste Tribunal Superior assenta-se no sentido de que, dissolvida a sociedade conjugal, o bem imóvel comum do casal rege-se pelas regras relativas ao condomínio, ainda que não realizada a partilha de bens, cessando o estado de mancomunhão anterior. Precedente.
4. Nesse contexto, possui legitimidade para usucapir em nome próprio o condômino que exerça a posse por si mesmo, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, tendo sido preenchidos os demais requisitos legais. Precedentes.
5. Ademais, a posse de um condômino sobre bem imóvel exercida por si mesma, com ânimo de dono, ainda que na qualidade de possuidor indireto, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, nem reivindicação dos frutos e direitos que lhes são inerentes, confere à posse o caráter de ad usucapionem, a legitimar a procedência da usucapião em face dos demais condôminos que resignaram do seu direito sobre o bem, desde que preenchidos os demais requisitos legais.
6. Do que se depreende das circunstâncias delineadas pelas instâncias ordinárias, após o fim do matrimônio houve completo abandono, pelo recorrente, da fração ideal pertencente ao casal dos imóveis usucapidos pela ex-esposa, ora recorrida, sendo que esta não lhe repassou nenhum valor proveniente de aluguel nem o recorrente o exigiu, além de não ter prestado conta nenhuma por todo o período antecedente ao ajuizamento da referida ação.
6.1. Em face disso, revela-se descabida a presunção de ter havido administração dos bens pela recorrida. O que houve – e isso é cristalino – foi o exercício da posse pela ex-esposa do recorrente com efetivo ânimo de dona, a amparar a procedência do pedido de usucapião, segundo já foi acertadamente reconhecido na origem.
7. A ausência de efetivo debate pela instância ordinária, acerca de determinada matéria, caracteriza ausência de prequestionamento, a obstar o conhecimento do recurso especial no ponto.
8. Não se admite o dissídio jurisprudencial quando não indicado o dispositivo de lei federal porventura objeto de interpretação divergente, porquanto manifesta a deficiência na fundamentação, a atrair a incidência do óbice disposto na Súmula 284/STF, por analogia.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
íntegra
RECURSO ESPECIAL Nº 1.840.561 - SP (2019/0290600-5) RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE RECORRENTE : ARGOS DE MORAES MACHADO ADVOGADO : MATEUS PEREIRA CAPELLA E OUTRO(S) - SP140618 RECORRIDO : MARIA THEREZA CONDE SANDOVAL ADVOGADOS : ANTONIO CARLOS DE PAULA CAMPOS - SP016913 CARLOS MARIANO DE PAULA CAMPOS - SP222819 INTERES. : ELISA BEATRIZ HOMEM DE MELLO E CANDEIAS INTERES. : ANTONIO GRISI FILHO ADVOGADOS : RAFAEL VILELA BORGES - SP153893 ANDRÉ FARHAT PIRES E OUTRO(S) - SP164817 INTERES. : P. CONDE PARTICIPACOES LTDA ADVOGADO : CRISTIANO PADIAL FOGAÇA PEREIRA E OUTRO(S) - SP206640 INTERES. : ALBERTO CANDEIAS NETO INTERES. : BANCO BRADESCO S/A ADVOGADO : ALVIN FIGUEIREDO LEITE E OUTRO(S) - SP178551 INTERES. : LEILA CHRISTINA RODRIGUES CANDEIAS INTERES. : TERESA CRISTINA GRISI CANDEIAS TE WIERIK INTERES. : JOAO MANUEL GRISI CANDEIAS ADVOGADO : MARCOS DE CARVALHO PAGLIARO E OUTRO(S) - SP166020 INTERES. : ANGELICA BROTERO PEREIRA DE CASTRO INTERES. : SILVIO SANDOVAL FILHO ADVOGADO : CARLA MARILIA CARVALHO GASPERINI - SP189969 INTERES. : JOSÉ CARLOS PRADO MONTEIRO ADVOGADO : WELESSON JOSÉ REUTERS DE FREITAS - SP160641 ADVOGADA : CAMILA SANTOS CURY - SP276969 INTERES. : FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO ADVOGADO : ANNA LUIZA MORTARI E OUTRO(S) - SP199158
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. FRAÇÃO IDEAL DE IMÓVEIS DE COPROPRIEDADE DOS CÔNJUGES. DISSOLUÇÃO DO MATRIMÔNIO, SEM A REALIZAÇÃO DE PARTILHA. BENS QUE SE REGEM PELO INSTITUTO DO CONDOMÍNIO. POSSE INDIRETA E EXCLUSIVA DA EX-ESPOSA SOBRE A FRAÇÃO IDEAL PERTENCENTE AO CASAL DOS IMÓVEIS DESCRITOS NA EXORDIAL. PERCEBIMENTO DE ALUGUÉIS COM EXCLUSIVIDADE PELA EX-ESPOSA. AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO DO SEU EX-CÔNJUGE E DE REIVINDICAÇÃO DE QUALQUER DOS FRUTOS QUE LHE ERAM DEVIDOS. LAPSO TEMPORAL TRANSCORRIDO SUFICIENTE À AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE. PROCEDÊNCIA DA USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. O propósito recursal consiste em definir, além da negativa de prestação jurisdicional, a natureza da posse exercida por um dos ex-cônjuges sobre fração ideal pertencente ao casal dos imóveis descritos na petição inicial, após a dissolução da sociedade conjugal, mas sem que tenha havido a partilha dos bens, a ensejar a aquisição da propriedade, pelo cônjuge possuidor, da totalidade da fração ideal por usucapião.
2. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.
3. A jurisprudência deste Tribunal Superior assenta-se no sentido de que, dissolvida a sociedade conjugal, o bem imóvel comum do casal rege-se pelas regras relativas ao condomínio, ainda que não realizada a partilha de bens, cessando o estado de mancomunhão anterior. Precedente.
4. Nesse contexto, possui legitimidade para usucapir em nome próprio o condômino que exerça a posse por si mesmo, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, tendo sido preenchidos os demais requisitos legais. Precedentes.
5. Ademais, a posse de um condômino sobre bem imóvel exercida por si mesma, com ânimo de dono, ainda que na qualidade de possuidor indireto, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, nem reivindicação dos frutos e direitos que lhes são inerentes, confere à posse o caráter de ad usucapionem, a legitimar a procedência da usucapião em face dos demais condôminos que resignaram do seu direito sobre o bem, desde que preenchidos os demais requisitos legais.
6. Do que se depreende das circunstâncias delineadas pelas instâncias ordinárias, após o fim do matrimônio houve completo abandono, pelo recorrente, da fração ideal pertencente ao casal dos imóveis usucapidos pela ex-esposa, ora recorrida, sendo que esta não lhe repassou nenhum valor proveniente de aluguel nem o recorrente o exigiu, além de não ter prestado conta nenhuma por todo o período antecedente ao ajuizamento da referida ação.
6.1. Em face disso, revela-se descabida a presunção de ter havido administração dos bens pela recorrida. O que houve – e isso é cristalino – foi o exercício da posse pela ex-esposa do recorrente com efetivo ânimo de dona, a amparar a procedência do pedido de usucapião, segundo já foi acertadamente reconhecido na origem.
7. A ausência de efetivo debate pela instância ordinária, acerca de determinada matéria, caracteriza ausência de prequestionamento, a obstar o conhecimento do recurso especial no ponto.
8. Não se admite o dissídio jurisprudencial quando não indicado o dispositivo de lei federal porventura objeto de interpretação divergente, porquanto manifesta a deficiência na fundamentação, a atrair a incidência do óbice disposto na Súmula 284/STF, por analogia.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 03 de maio de 2022 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator
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INTEIRO TEOR DO JULGAMENTO:
RECURSO ESPECIAL No 1.840.561 - SP (2019/0290600-5) RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. FRAÇÃO IDEAL DE IMÓVEIS DE COPROPRIEDADE DOS CÔNJUGES. DISSOLUÇÃO DO MATRIMÔNIO, SEM A REALIZAÇÃO DE PARTILHA. BENS QUE SE REGEM PELO INSTITUTO DO CONDOMÍNIO. POSSE INDIRETA E EXCLUSIVA DA EX-ESPOSA SOBRE A FRAÇÃO IDEAL PERTENCENTE AO CASAL DOS IMÓVEIS DESCRITOS NA EXORDIAL. PERCEBIMENTO DE ALUGUÉIS COM EXCLUSIVIDADE PELA EX-ESPOSA. AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO DO SEU EX-CÔNJUGE E DE REIVINDICAÇÃO DE QUALQUER DOS FRUTOS QUE LHE ERAM DEVIDOS. LAPSO TEMPORAL TRANSCORRIDO SUFICIENTE À AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE. PROCEDÊNCIA DA USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. O propósito recursal consiste em definir, além da negativa de prestação jurisdicional, a natureza da posse exercida por um dos ex-cônjuges sobre fração ideal pertencente ao casal dos imóveis descritos na petição inicial, após a dissolução da sociedade conjugal, mas sem que tenha havido a partilha dos bens, a ensejar a aquisição da propriedade, pelo cônjuge possuidor, da totalidade da fração ideal por usucapião.
2. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.
3. A jurisprudência deste Tribunal Superior assenta-se no sentido de que, dissolvida a sociedade conjugal, o bem imóvel comum do casal rege-se pelas regras relativas ao condomínio, ainda que não realizada a partilha de bens, cessando o estado de mancomunhão anterior. Precedente.
Documento: 2167421 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/05/2022 Página 1 de 4
Superior Tribunal de Justiça 4. Nesse contexto, possui legitimidade para usucapir em nome próprio o condômino que exerça a posse por si mesmo, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, tendo sido preenchidos os demais requisitos legais. Precedentes.
5. Ademais, a posse de um condômino sobre bem imóvel exercida por si mesma, com ânimo de dono, ainda que na qualidade de possuidor indireto, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, nem reivindicação dos frutos e direitos que lhes são inerentes, confere à posse o caráter de ad usucapionem, a legitimar a procedência da usucapião em face dos demais condôminos que resignaram do seu direito sobre o bem, desde que preenchidos os demais requisitos legais.
6. Do que se depreende das circunstâncias delineadas pelas instâncias ordinárias, após o fim do matrimônio houve completo abandono, pelo recorrente, da fração ideal pertencente ao casal dos imóveis usucapidos pela ex-esposa, ora recorrida, sendo que esta não lhe repassou nenhum valor proveniente de aluguel nem o recorrente o exigiu, além de não ter prestado conta nenhuma por todo o período antecedente ao ajuizamento da referida ação. 6.1. Em face disso, revela-se descabida a presunção de ter havido administração dos bens pela recorrida. O que houve – e isso é cristalino – foi o exercício da posse pela ex-esposa do recorrente com efetivo ânimo de dona, a amparar a procedência do pedido de usucapião, segundo já foi acertadamente reconhecido na origem.
7. A ausência de efetivo debate pela instância ordinária, acerca de determinada matéria, caracteriza ausência de prequestionamento, a obstar o conhecimento do recurso especial no ponto.
8. Não se admite o dissídio jurisprudencial quando não indicado o dispositivo de lei federal porventura objeto de interpretação divergente, porquanto manifesta a deficiência na fundamentação, a atrair a incidência do óbice disposto na Súmula 284/STF, por analogia.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 03 de maio de 2022 (data do julgamento). MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator Documento: 2167421 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/05/2022 Página 2 de 4
Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL No 1.840.561 - SP (2019/0290600-5) RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
Trata-se de recurso especial interposto por Argos de Moraes Machado contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Compulsando os autos, verifica-se que Maria Thereza Conde Sandoval propôs ação de usucapião extraordinária em desfavor do ora recorrente, visando a aquisição da fração ideal de 15,47% das unidades autônomas do Edifício Conde, matrículas 11.103, 11.104, 11.105, 11.106, 11.107, 11.108, 11.109, 11.110, 11.111, 11.112, 11.113, 11.114, 11.115, 11.116, 11.117, 11.118, 11.119, 11.120, 11.121, 11.122, 11.123, 11.124, 11.125, 11.126, 11.127, 11.128, 11.129, 11.130, 11.131, 11.132, 11.133, 11.134, 11.135, 11.136, 11.137, 11.138, 11.139, 11.140, 11.141, 11.142, 11.143, 11.144, todas inscritas no 4o Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo, localizadas na Rua Boa Vista, n. 557/559.
Foi proferida sentença de procedência, porquanto preenchidos os pressupostos constitutivos do direito da autora.
Interposta apelação pelo réu, a Sétima Câmara de Direito Privado do Tribunal de origem negou-lhe provimento, nos termos do acórdão assim ementado (e-STJ, fl. 2.576):
APELAÇÃO. Ação de usucapião extraordinária. Sentença de procedência. Inconformismo do réu. Preliminar de falta de interesse de agir afastada. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse exclusiva com animus domini e sejam atendidos os requisitos legais da usucapião. Usucapião extraordinária que independe de justo título e boa fé. Requisitos, posse e tempo, atendidos para a modalidade de usucapião. Inteligência do art. 1.238 do CC. Sentença mantida. Recurso a que se nega provimento.
Os embargos de declaração opostos pelo ora demandante foram rejeitados. Nas razões do recurso especial (e-STJ, fls. 2.622-2.640), interposto com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, o recorrente aduz a existência Documento: 2167421 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/05/2022 Página 3 de 4
Superior Tribunal de Justiça de violação aos arts. 1.022, II, do Código de Processo Civil de 2015; e 1.208, 1.324 e 1.328 do Código Civil.
Em caráter preliminar, sustenta haver omissão no acórdão recorrido acerca da afirmativa de impossibilidade de se usucapir imóvel em condomínio pro indiviso, bem como imóvel em estado de mancomunhão. Além disso, aponta omissão quanto à alegação de nulidade da sentença, por não se considerar os argumentos vertidos na petição de fls. 1.463-1.470 da numeração originária (e-STJ, fls. 2.434-2.441).
No mérito, assenta que o coproprietário, enquanto na administração da fração ideal dos imóveis comuns (alugando-os a terceiros), não exerce posse ad usucapionem, por mais longa que seja essa posse, não lhe sendo cabível a procedência de usucapião em seu favor.
Defende, ainda, que a atuação da recorrida – na condição de administradora da fração ideal dos imóveis sobre a qual se pretende a declaração da aquisição originária da propriedade – constitui ato de mera detenção, não se caracterizando como posse para fins de usucapião. Ao final, assevera haver dissídio jurisprudencial em relação ao descabimento de se declarar usucapião entre ex-cônjuges.
Contrarrazões ao recurso especial (e-STJ, fls. 2.658-2.671). É o relatório. Documento: 2167421 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/05/2022 Página 4 de 4
Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL No 1.840.561 - SP (2019/0290600-5) VOTO O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR): O propósito recursal consiste em definir, além da negativa de prestação jurisdicional, a natureza da posse exercida por um dos ex-cônjuges sobre fração ideal pertencente ao casal dos imóveis descritos na petição inicial, após a dissolução da sociedade conjugal, mas sem que tenha havido a partilha dos bens, a ensejar a aquisição da propriedade, pelo cônjuge possuidor, da totalidade da fração ideal por usucapião.
Do delineamento fático dos autos
A fim de melhor elucidar as questões controvertidas em apreço, convém antes delimitar o quadro fático que ampara a demanda de usucapião e se encontra bem sintetizado no acórdão recorrido (e-STJ, fl. 2.578):
Consta dos autos que a autora é detentora da fração ideal de 15,47% dos imóveis descritos na inicial e foram adquiridos da seguinte forma: 7,735% adquirido por meio da partilha extraída nos autos do Inventário havido pelo falecimento ocorrido em 1973 de sua mãe e na condição de casada com o réu no regime de comunhão universal de bens e, de 7,735% por meio de escritura de doação de seu genitor, com cláusula de incomunicabilidade, em 1983.
As partes, casadas desde 1970, se divorciaram em 1983, mas não partilharam os bens do casal.
Por conseguinte, por estar na posse exclusiva dos epigrafados imóveis há mais de 23 anos (desde o divórcio até o ajuizamento da ação em 2007), sem oposição do réu, ajuizou a presente ação objetivando a usucapião extraordinária.
Da negativa de prestação jurisdicional Em relação à suscitada negativa de prestação jurisdicional, verifica-se que o Tribunal de origem enfrentou, de forma clara e fundamentada, as questões suscitadas pelas partes, notadamente a respeito da possibilidade de usucapião de imóvel em regime de condomínio indiviso e de mancomunhão, bem como acerca da apontada nulidade da sentença pela ausência de exame dos argumentos vertidos pelo recorrente na petição de Documento: 2167421 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/05/2022 Página 5 de 4
Superior Tribunal de Justiça fls. 1.463-1.470 da numeração originária – (e-STJ, fls. 2.434-2.441).
Quanto à possibilidade de usucapião de imóvel em regime de condomínio, assim se manifestou o Tribunal de origem (e-STJ, fl. 2.579): Cediço que é perfeitamente possível a usucapião de condômino, como bem analisou o MM. Juiz singular.
A doutrina e a jurisprudência têm entendido que é possível a usucapião entre condôminos, quando a posse tenha sido exercida de forma total e sem qualquer reconhecimento da propriedade comum pelo condômino possuidor, conforme explica o Desembargador Francisco Loureiro [...]
Ademais, submetendo-se os imóveis às regras relativas ao condomínio, desnecessária a manifestação da Corte local a respeito da mancomunhão, porquanto excludentes entre si, ou seja, havendo condomínio, afasta-se a mancomunhão e vice-versa, o que será melhor explicitado na análise do mérito.
No que se refere à aventada nulidade da sentença – por ausência de manifestação acerca da petição de fls. 1.463-1.470 da numeração originária (e-STJ, fls. 2.434-2.441) –, de fato, o TJSP nada dispôs sobre a temática. Entretanto, não se evidencia o prejuízo necessário ao acolhimento dessa nulidade.
Isso porque escorreita a conclusão do Juízo sentenciante, ao rejeitar os embargos de declaração opostos à sentença, asseverando que o mencionado petitório não merecia conhecimento porque as argumentações de defesa nele tecidas eram supervenientes à contestação e, por isso, encontravam-se superadas pela ocorrência da preclusão consumativa.
Assim consta no julgado que rejeitou os declaratórios opostos à sentença (e-STJ, fl. 2.470):
1 - Embargos de declaração de fl. 1.487/1492: Pelo princípio da concentração dos atos processuais (art. 336 do CPC e art. 300 do CPC/73), compete ao réu alegar toda a sua matéria de defesa na contestação, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir. Independentemente da constituição de novo Advogado pela parte, o prazo para defesa ou para novas alegações não é reaberto. A matéria controvertida já está estabilizada pela preclusão consumativa. 2 - Por essas razões, a sentença embargada se deteve à matéria alegada na contestação de fl. 1404/1416, e não às razões de fl. 1463/1470, e assim o fez de forma suficiente, ao menos do ponto de vista constitucional.
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Superior Tribunal de Justiça Não há sequer matérias de ordem pública que pudessem ser conhecidas de ofício. Igualmente já decidiu esta Corte Superior, reconhecendo-se a impossibilidade de complementação das teses de defesa que deveriam ter sido formuladas na contestação (mas não foram), sendo que a sua apresentação em momento posterior impediria o conhecimento desse aditamento pelo julgador, em virtude do óbice da preclusão consumativa (REsp n. 1.099.439/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 19/3/2009, DJe 4/8/2009).
Constata-se, na verdade, que a parte recorrente levantou os supostos vícios ensejadores da oposição dos aclaratórios com a nítida intenção de rejulgar a causa (a pretexto da existência de omissão), finalidade à qual não se prestam os embargos. Desse modo, "não há violação dos artigos 489 e 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, quando embora rejeitados os embargos de declaração, o Tribunal de origem indicou adequadamente os motivos que lhe formaram o convencimento, analisando de forma clara, precisa e completa as questões relevantes do processo e solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entendeu cabível à hipótese" (AgInt no AREsp 1.768.300/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28/6/2021, DJe 1o/7/2021).
Da usucapião Em linhas gerais, a usucapião consiste em um modo originário de aquisição da propriedade, mediante a coexistência de dois fatores preponderantes, sendo eles a posse – em seu viés subjetivo, com ânimo de dono – e o decurso do tempo, podendo este último fator sofrer certa variação, a depender de qual seja a espécie de usucapião.
Sobre o tema, circunscreve-se a presente discussão à usucapião extraordinária, assim prevista no art. 550 do revogado Código Civil de 1916: "aquele que, por vinte anos sem interrupção, nem oposição, possuir como seu, um imóvel, adquirir-lhe-á o domínio independentemente de título de boa-fé que, em tal caso, se presume, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título para a transcrição no registro de imóveis".
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Superior Tribunal de Justiça Sobrevindo o CC/2002, com entrada em vigor em 11/1/2003, alterou-se, substancialmente, apenas o requisito temporal, com redução de 20 (vinte) para 15 (quinze) anos. Na espécie, é incontroversa a demonstração da posse pela autora, ora recorrida, por lapso temporal aquisitivo superior a 20 (vinte) anos, sem solução de continuidade, entre a decretação do divórcio das partes, no ano de 1983, e o ajuizamento da presente ação de usucapião, no ano de 2007, devidamente observadas as regras de transição dos prazos prescricionais insculpidas nos arts. 2.028 e 2.029 do CC/2002.
Contudo, é sobre a natureza da posse exercida pela autora recorrida e ex-cônjuge do seu ex adverso, ora recorrente, se ad usucapionem, ou não, que se instaura o imbróglio fático-jurídico.
Não é demasiado lembrar que a dissolução da sociedade conjugal (através da separação ou do divórcio) cessa o estado de mancomunhão dos bens comuns e, enquanto não partilhado o imóvel, "a propriedade do casal sobre o bem rege-se pelo instituto do condomínio, aplicando-se a regra contida no art. 1319 do CC, segundo a qual cada condômino responde ao outro pelos frutos que percebeu da coisa" (REsp 1.375.271/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/9/2017, DJe 2/10/2017).
Outrossim, prevalece nesta Corte Superior que "o condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários" (REsp 668.131/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 19/8/2010, DJe 14/9/2010).
Adotando o mesmo entendimento, apontam-se os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça: REsp 1.631.859/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/5/2018, DJe 29/5/2018; AgInt no REsp 1.787.720/CE, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 27/9/2021, DJe 3/11/2021; e AgInt nos EDcl no AREsp 750.322/MG, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 24/10/2017, DJe 6/11/2017.
Na hipótese, está expresso no aresto recorrido que, "para comprovar suas Documento: 2167421 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/05/2022 Página 8 de 4
Superior Tribunal de Justiça alegações, a autora colacionou os documentos acostados às fls. 408/492, que indicam que está na posse pelo prazo legal, com animus domini, de forma tranquila, sem oposição de qualquer dos confinantes ou titulares de domínio" (e-STJ, fl. 2.580).
Apenas com base nessas premissas, não haveria necessidade de maiores digressões para manter o acórdão recorrido e a sentença que concluíram pela procedência do pedido de usucapião, se não fosse a peculiaridade de que se reveste o caso ora em foco. Isso porque os imóveis descritos na petição inicial (e sobre os quais pretende a autora seja reconhecida a sua propriedade sobre a fração ideal de 15,47%) foram alugados, revertendo-se-lhe, com exclusividade, os respectivos valores, de forma que a recorrida se encontra na posse indireta desses bens.
A esse respeito, convém rememorar que tanto o art. 550 do CC/1916 quanto o art. 1.238 do CC/2002 exigem, para a caracterização da usucapião extraordinária, apenas a posse do imóvel com ânimo de dono, nada indicando que essa posse seja, necessariamente, plena, de modo que não vejo óbice ao reconhecimento da usucapião em prol do possuidor indireto que efetivamente exerça essa posse.
Dito de outro modo, não se revela incompatível a posse indireta com o requisito anímico daquele que age na intenção de ter a coisa para si – animus rem sibi habendi –, sobretudo porque o desdobramento da posse plena decorre, em regra, de ato do possuidor pleno que, cedendo a outrem (possuidor direto) o exercício de parte dos atributos inerentes ao seu domínio, passa a se qualificar como possuidor indireto.
Essa linha de pensamento é, também, adotada na doutrina de Carlos Roberto Gonçalves: A divisão da posse em direta e indireta encontra-se definida com melhor técnica no art. 1.197 do Código Civil de 2002, em comparação com o art. 486 do diploma anterior, que enumerava, exemplificativamente, alguns casos: usufruto, penhor e locação. Dispõe o aludido art. 1.197:
"A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto".
A relação possessória, no caso, desdobra-se. O proprietário exerce a posse indireta, como consequência de seu domínio. O locatário, por exemplo, exerce a posse direta por concessão do locador. Uma não anula a outra. Ambas coexistem no tempo e no espaço e são posses
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Superior Tribunal de Justiça jurídicas (jus possidendi), não autônomas, pois implicam o exercício de efetivo direito sobre a coisa.
A vantagem dessa divisão é que o possuidor direito e o indireto podem invocar a proteção possessória contra terceiro, mas só o segundo pode adquirir a propriedade em virtude da usucapião. O possuidor direto jamais poderá adquiri-la por esse meio, por faltar-lhe o ânimo de dono, a não ser que, excepcionalmente, ocorra mudança da causa possessionis, com inversão do referido ânimo, passando a possuí-la como dono (cf. n. 3, infra).
(Direito civil brasileiro - volume 5: direito das coisas. 16a ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 79-80, sem grifo no original) Sob a mesma ótica, merece destaque a lição de Caio Mário da Silva Pereira, guardadas as devidas proporções:
A posse ad usucapionem é aquela que se exerce com intenção de dono - cum animo domini. Este requisito psíquico de tal maneira se integra na posse, que adquire tônus de essencialidade. De início, afasta-se a mera detenção, pois, conforme visto acima (no 285, supra) não se confunde ela com a posse, uma vez que lhe falta a vontade de tê-la. E exclui, igualmente, toda posse que não se faça acompanhar a intenção de ter a coisa para si - animus rem sibi habendi, como por exemplo a posse direta do locatário, do usufrutuário, do credor pignoratício, que, tendo embora o ius possidendi, que os habilita a invocar os interditos para defesa de sua situação de possuidores contra terceiros e até contra o possuidor indireto (proprietário), não têm nem podem ter a faculdade de usucapir. E é óbvio, pois aquele que possui com base num título que o obriga a restituir desfruta de uma situação incompatível com a aquisição da coisa para si mesmo. Completando-lhe a qualificação é que se impõe o requisito anímico, que reside na intenção de dono: possuir cum animo domini. (Instituições de direito civil: direito reais. 27a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 121-122).
Ademais, não prospera a alegação do recorrente de que a sua ex-esposa, ao alugar os referidos imóveis, agiu na qualidade de administradora dos bens condominiais, conforme prevê o art. 1.324 do CC/2002 (equivalente ao art. 640 do CC/1916), o que supostamente afastaria a posse com ânimo de dono.
Os mencionados dispositivos legais estão assim redigidos: CC/1916: Art. 640. O condômino, que administrar sem oposição dos outros, presume-se mandatário comum. CC/2002:
Art. 1.324. O condômino que administrar sem oposição dos outros Documento: 2167421 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/05/2022 Página 10 de 4
Superior Tribunal de Justiça presume-se representante comum.
Quanto ao ponto, não se pode perder de vista que à administração da coisa comum impõe-se a partilha dos frutos dela provenientes, na proporção dos quinhões, se inexistente estipulação em contrário (arts. 638 do CC/1916 e 1.326 do CC/2002). Sobressai evidente, assim, o direito do condômino de perceber os frutos do bem comum e o dever do administrador de repassar-lhe tais frutos.
Analisando a doutrina do saudoso e ilustre Pontes de Miranda, trago os seguintes apontamentos (sem grifo no original):
2. Administração sem explícita deliberação. – Primeiro se há de resolver se a coisa deve ser administrada. Depois, sobre quem a deve administrar. Existe situação especialíssima, que se esboça quando nem todos os condôminos querem tomar parte na administração e um ou alguns efetivamente administram a coisa. Então, a resolução sobre a administração e a escolha dos administradores são um só ato. Porém seria erro atribuir-se a essa tacitude, a esse administrar pela não-oposição, todos os efeitos que teria a resolução explícita, formal, de que seja administrada a coisa, e sobre quem a administre. Por isso mesmo, o Código Civil (art. 640) se satisfez com a presunção iuris tantum: "O condômino, que administrar sem oposição dos outros, presume-se mandatário comum". [...] O condômino que administra presume-se com o mandato dos outros. Despesa, ou dívida, que, feita por ele, somente a ele obrigaria, conforme o art. 625, obriga a todos se é ele quem administra e se trata de ato de administração. Consequência: o ônus de afirmar que não houve mandato cabe aos outros condôminos, na ação que alguém propuser contra eles, pelo ato do condômino presumidamente mandatário; e, sobre esse ônus, o de prová-lo.
[...]
4. Deveres e obrigações do administrador. – Os deveres e obrigações do administrador do condomínio, seja condômino ou terceiro, são os deveres do mandatário. Cabe-lhe, a mais, repartir os frutos e rendimentos, fazer as despesas necessárias e úteis, dar informes que os condôminos desejem, representar os condôminos em juízo e fora dele em tudo que concerne à administração. Fora dos atos de administração, precisa de mandato com poderes especiais e expressos – unânime – dos condôminos.
[Tratado de direito privado - parte especial - Tomo XII. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, pp. 89-90] Dessas assertivas, infere-se que a administração do bem imóvel por um dos condôminos, ainda que implicitamente, pressupõe o rateio das despesas e o repasse dos frutos advindos da coisa aos demais condôminos. Não se realizando tais providências e Documento: 2167421 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/05/2022 Página 11 de 4
Superior Tribunal de Justiça inexistindo reivindicação dos frutos e direitos sobre o bem pelos demais condôminos, presume-se que estes abdicaram do seu direito, justificando-se a inferência de que a posse do condômino que efetivamente percebeu (e percebe) os direitos decorrentes da coisa tenha se dado com animus domini.
Portanto, conclui-se que a posse de um condômino sobre bem imóvel exercida por si mesma, com ânimo de dono, ainda que na qualidade de possuidor indireto, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, nem reivindicação dos frutos e direitos que lhes são inerentes, confere à posse o caráter de ad usucapionem, a legitimar a procedência da usucapião em face dos demais condôminos que resignaram do seu direito sobre o bem, desde que preenchidos os demais requisitos legais.
Volvendo os olhos ao caso concreto, notadamente para o que ficou exarado na sentença (que, frise-se, foi integralmente mantida pelo Tribunal de origem), tem-se que "é incontroverso, inclusive, que a autora recebe aluguéis de imóveis os quais busca a usucapião, sendo que o contestante jamais reivindicou tais frutos" (e-STJ, fl. 2.450). Complementa, ainda, o Juízo a quo (e-STJ, fl. 2.450, sem grifo no original):
Na verdade, percebe-se que, findo o matrimônio entre a autora e o contestante, ainda no longíquo ano de 1983, o contestante deixou os imóveis nas mãos da ex-esposa, nunca tendo se preocupado com a regularização da situação, com partilha do bem.
É perfeitamente possível a usucapião de condômino contra o outro coproprietário, sem dúvida, desde que haja a transmudação da posse, com quebra de todo o vínculo obrigacional anterior com o outro titular de fração ideal, por prazo duradouro e com ciência inequívoca de terceiros, o que, definitivamente, foi o caso.
A preocupação do contestante somente veio à tona após a propositura da ação de usucapião, com a apresentação de contestação, mais de 20 anos após o fim do matrimônio. Ademais, a "mera liberalidade" (fl. 1408/1409) do co-titular do domínio deveria ser pautada pela presença constante (ainda que não permanente) do contestante e pela periódica comunicação entre eles. Ora, o contestante qualifica a autora como se fosse litigante de má-fé, mas, ao mesmo tempo, percebe-se a ocupação duradoura, sem que, em todo esse período, fosse tomada qualquer atitude de formalização dessa ocupação, ou ação de partilha de bens.
Do que se depreende das circunstâncias delineadas pelas instâncias ordinárias, após o fim do matrimônio houve completo abandono, pelo recorrente, da fração ideal pertencente ao casal dos imóveis usucapidos pela ex-esposa, ora recorrida, sendo Documento: 2167421 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/05/2022 Página 12 de 4
Superior Tribunal de Justiça que esta não lhe repassou nenhum valor proveniente de aluguel nem o recorrente o exigiu, além de não ter prestado conta nenhuma por todo o período antecedente ao ajuizamento da referida ação.
Nesse contexto, revela-se descabida a presunção de ter havido administração dos bens pela recorrida em face do seu ex-cônjuge, ora recorrente. O que houve – e isso é cristalino – foi o exercício da posse pela ex-esposa do recorrente com efetivo ânimo de dona, a amparar a procedência do pedido de usucapião, segundo já foi acertadamente reconhecido na origem.
Ressalte-se inexistir manifestação das instâncias originárias acerca da narrativa do insurgente de que "as partes resolveram que a partilha dos bens seria deixada para momento ulterior, sendo que os frutos do imóvel sub judice seriam revertidos em favor das filhas menores do casal, como alimentos devidos pelo pai, réu (ora recorrente)" – (e-STJ, fl. 2.624).
Além disso, a mencionada afirmativa não foi expressamente aventada nos embargos de declaração opostos pelo demandante ao acórdão recorrido.
Ainda que se considere ter sido suscitada a matéria nos embargos, ao se defender, nas respectivas razões, a nulidade da sentença que não considerou os apontamentos constantes da petição de fls. 1.463-1.470 da numeração originária (e-STJ, fls. 2.434-2.441), demonstrou-se à exaustão, quando da análise da negativa de prestação jurisdicional, que não era dado ao Juízo sentenciante conhecer desse petitório, em virtude do óbice da preclusão consumativa, afigurando-se inócuo o reconhecimento de suposta nulidade decorrente de omissão do Tribunal de origem, pela ausência de prejuízo.
Logo, não há como se conhecer dessa tese argumentativa, ante a ausência de prequestionamento, o que atrai a incidência da Súmula 211/STJ.
Por fim, concernente ao dissídio jurisprudencial apontado, verifica-se que o recorrente se descurou do ônus de indicar o dispositivo legal que teria sido objeto de interpretação divergente, o que caracteriza deficiência na fundamentação, a ensejar a aplicação do óbice da Súmula 284/STF, por analogia.
Conclusão Documento: 2167421 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/05/2022 Página 13 de 4
Superior Tribunal de Justiça Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e, nessa extensão, nego-lhe provimento.
Deixo de majorar os honorários recursais, porquanto já arbitrados no percentual máximo de 20% sobre o valor da causa pelas instâncias ordinárias.
É o voto. Documento: 2167421 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/05/2022 Página 14 de 4
Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA Número Registro: 2019/0290600-5 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.840.561 / SP Números Origem: 02651586820078260100 2137/2007 21372007 2651586820078260100 EM MESA 583.00.2007.265158-8/000000-000 5830020072651588000000000 JULGADO: 03/05/2022 Relator Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS ALPINO BIGONHA Secretária Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA RECORRENTE ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADOS INTERES. INTERES. ADVOGADOS INTERES. ADVOGADO INTERES. INTERES. ADVOGADO INTERES. INTERES. INTERES. ADVOGADO INTERES. INTERES. ADVOGADO INTERES. ADVOGADO ADVOGADA INTERES. ADVOGADO AUTUAÇÃO : ARGOS DE MORAES MACHADO : MATEUS PEREIRA CAPELLA E OUTRO(S) - SP140618 : MARIA THEREZA CONDE SANDOVAL : ANTONIO CARLOS DE PAULA CAMPOS - SP016913 CARLOS MARIANO DE PAULA CAMPOS - SP222819 : ELISA BEATRIZ HOMEM DE MELLO E CANDEIAS : ANTONIO GRISI FILHO : RAFAEL VILELA BORGES - SP153893 ANDRÉ FARHAT PIRES E OUTRO(S) - SP164817 : P. CONDE PARTICIPACOES LTDA : CRISTIANO PADIAL FOGAÇA PEREIRA E OUTRO(S) - SP206640 : ALBERTO CANDEIAS NETO : BANCO BRADESCO S/A : ALVIN FIGUEIREDO LEITE E OUTRO(S) - SP178551 : LEILA CHRISTINA RODRIGUES CANDEIAS : TERESA CRISTINA GRISI CANDEIAS TE WIERIK : JOAO MANUEL GRISI CANDEIAS : MARCOS DE CARVALHO PAGLIARO E OUTRO(S) - SP166020 : ANGELICA BROTERO PEREIRA DE CASTRO : SILVIO SANDOVAL FILHO : CARLA MARILIA CARVALHO GASPERINI - SP189969 : JOSÉ CARLOS PRADO MONTEIRO : WELESSON JOSÉ REUTERS DE FREITAS - SP160641 : CAMILA SANTOS CURY - SP276969 : FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO : ANNA LUIZA MORTARI E OUTRO(S) - SP199158 ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Aquisição - Usucapião Extraordinária Documento: 2167421 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/05/2022 Página 15 de 4
Superior Tribunal de Justiça SUSTENTAÇÃO ORAL Dr. MATEUS PEREIRA CAPELLA, pela parte RECORRENTE: ARGOS DE MORAES MACHADO CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nesta parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
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